“A guerra às drogas falhou.” O presidente colombiano Gustavo Petro fez esta declaração em seu discurso de posse em 7 de agosto de 2022, marcando uma das prioridades do primeiro governo de esquerda na história da Colômbia. Petro pretende reverter a política de drogas do seu país, que lidera a produção de cocaína no mundo e foi o aliado mais próximo dos Estados Unidos na luta implacavelmente violenta contra o tráfico de drogas. A estratégia militar, segundo o antigo guerrilheiro que se tornou presidente, produziu um “genocídio” que custou a vida de “um milhão de latino-americanos”.
Sob o título “Semeando a vida para banirmos o tráfico de drogas”, o governo apresentou um roteiro para orientar a política de drogas da Colômbia até 2033. O novo plano compartilha alguns objetivos com os anteriores, como erradicar noventa mil hectares de cultivo ilegal de folha de coca e reduzir produção de cocaína em 43%. Porém, sua abordagem é bem diferente, pois a meta é que sessenta e nove mil hectares sejam erradicados voluntariamente, promovendo alternativas para os agricultores que cultivam a folha.
Durante décadas, a luta da Colômbia contra o tráfico de drogas tem sido, principalmente, um ataque aos agricultores que produzem coca, uma folha que também é usada para fins lícitos, como infusões ou mesmo fertilizantes. Na Bolívia, a coca tem proteção constitucional como patrimônio cultural para seu uso tradicional pelos povos indígenas; na Colômbia, foi estigmatizada, como uma famosa campanha que a chamou de “la mata que mata” (a planta que mata). A nova política distingue entre a folha e a cocaína produzida a partir dela.
“Petro disse que não vai lutar contra as pequenas lavouras; ele vai lutar contra os cultivos industriais. E os pequenos cultivos ou são substituídos voluntariamente ou ficam lá”, explica Sandra Borda, cientista política da Universidade de Los Andes. “Antes, combatíamos todos os cultivos ilícitos, incluindo as dos pequenos agricultores, e isso criava problemas graves, confronto entre as comunidades e o Exército… e nunca teve quaisquer resultados.”
Hoje, cerca de 115 mil famílias na Colômbia vivem do cultivo da folha de coca, e o governo quer que cinquenta mil mudem para atividades lícitas, como o uso da folha para fins legais ou a atuação como guardas florestais para prevenir o desmatamento, já que o cultivo da coca é uma das causas da destruição da Amazônia colombiana.
A estratégia de substituição de cultivos não é nova; foi incluído em 2016 nos Acordos de Paz entre o Estado e as guerrilhas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Mas as áreas de cultivo para a produção de coca não pararam de crescer, segundo estimativas da ONU, sugerindo o fracasso tanto da substituição voluntária como das erradicações forçadas. Sete anos depois do acordo de paz, um dos dirigentes de um município onde se tentou pela primeira vez a substituição de culturas afirmou que “os compromissos acordados com o governo não foram cumpridos – os projectos produtivos nunca chegaram”. Na ausência de alternativas econômicas, algumas famílias voltaram ao cultivo de coca e grupos armados ilegais reapareceram na aldeia, explicou o líder comunitário, que pediu para permanecer anônimo por medo de represálias.
O fracasso do programa anterior de substituição de cultivo deve-se à falta de “uma abordagem territorial, tendo em conta a dinâmica dos territórios onde a coca é cultivada”, disse Carolina Cepeda, cientista política da Universidade Javeriana. O plano de Petro, ao contrário, “tenta tecer mecanismos de participação para incorporar o conhecimento dos cocaleiros”.
Um desafio adicional é que “as comunidades camponesas continuarão à mercê da ordem social imposta pelos grupos armados” que controlam as áreas de cultivo de coca, como explica Ana María Rueda, da Fundação Ideias para a Paz, no El Espectador. Na verdade, alguns participantes no programa de substituição de culturas foram assassinados por paramilitares ou grupos dissidentes das FARC.
Uma política abrangente
A nova política de drogas do governo Petro não se centra na repressão policial e militar, mas nos cultivos industriais, com o objetivo de infligir perdas entre 55 e 86 mil milhões de dólares nas finanças do tráfico de drogas. Ao mesmo tempo, o governo mostrou-se disposto a negociar com os traficantes de droga, uma estratégia que a Cepeda considera sábia: “Demonstrou-se que a política do punho de ferro não funciona; negociar é certamente uma forma mais eficiente de lidar com o problema.”
Buscar acordos de desarmamento com organizações criminosas faz parte da política de “paz total” com a qual Petro quer pôr fim a décadas de conflito armado na Colômbia. “Trata-se de oferecer redução de penas e manter parte de seus recursos econômicos, desde que desmantelem a estrutura criminosa, devolvam bens, indenizem as vítimas e assumam responsabilidade criminal”, explicou o ministro da Justiça, Néstor Osuna, no Ctxt.
A repressão contra os cocaleiros resultou em inúmeras vítimas e também causou graves danos ao meio ambiente e à saúde, especialmente através da pulverização das plantações com glifosato, substância classificada como “provavelmente cancerígena” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O presidente conservador Iván Duque (2018–2022) comprou 263 mil litros do herbicida menos de duas semanas antes de Petro, que se recusou a usá-lo, ao assumir o cargo. “As políticas anteriores viam estas questões [ambientais] como danos colaterais”, observa a cientista política Sandra Borda, mostrando porque a nova política é “abrangente”.
O plano do governo Petro também muda a abordagem do governo aos consumidores de drogas. “O consumo problemático deve ser enfrentado com centros de abastecimento controlados, com apoio terapêutico e sanitário”, afirma o ministro Osuna. A socióloga Estefanía Ciro, que dirigiu a área de drogas da comissão da verdade sobre o conflito armado colombiano, disse em conversa telefônica que a nova política “promove a desestigmatização, a proteção do usuário e a redução de riscos”, embora especifique que “é a mesma estratégia que tem sido seguida desde o [ex-presidente] Juan Manuel Santos, e até agora não houve investimento [económico] real”.
Diplomacia das drogas e o debate sobre legalização
Durante décadas, a Colômbia tem sido um aliado leal dos Estados Unidos na sua guerra contra as drogas. “Com o Plano Colômbia, [os ex-presidentes Andrés] Pastrana e [Álvaro] Uribe [conseguiram] receber dinheiro para a luta contra as drogas e utilizá-lo na luta anti-insurgência” contra a guerrilha, explica Cepeda.
O governo de Joe Biden não fez qualquer declaração pública sobre a nova abordagem da Colômbia às drogas, mas Ciro acredita que “a nova política de drogas tem o total apoio dos EUA. Baseia-se no documento da Comissão do Congresso sobre Política de Drogas no Hemisfério Ocidental, que cunhou o termo ‘política holística’ que Gustavo Petro usou desde o início.”
O governo colombiano também procurou apoio em toda a América Latina e no Caribe. Em setembro passado, reuniu mais de trinta países da região numa conferência em Cali. O principal convidado foi Andrés Manuel López Obrador, presidente do México, que partilha com a Colômbia o trágico registo de dezenas de milhares de mortes na guerra contra as drogas. Mas a reunião foi ofuscada pelas diferenças entre os dois governos: López Obrador mudou durante a sua presidência de negociações promissoras com os cartéis sob o lema “abrazos, no balazos” (abraços, não balas) para uma postura muito mais proibicionista, semelhante a dos presidentes mexicanos anteriores.
As alianças internacionais serão uma das chaves para o sucesso ou o fracasso da nova política de drogas na Colômbia. A outra é a implementação. Nas palavras de Cepeda, “é preciso ‘dar força’ à política de drogas; deve ser traduzido em políticas concretas, para que não seja fácil para quem aparecer daqui a três anos mudá-lo.”
Uma ausência notável na nova política de drogas colombiana é a legalização. Em dezembro passado, uma proposta de regulamentação do comércio de maconha, promovida pela senadora María José Pizarro, do Pacto Histórico, foi rejeitada pela quinta vez no parlamento, onde o governo não tem maioria. Mais controversa é a questão da cocaína: Petro afirmou que se fosse legalizada, “acabaria automaticamente com a violência na Colômbia”, embora tenha enfatizado que isso “não depende da [sua] vontade”.
Estefanía Ciro acredita que a legalização “é a forma de diminuir os impactos do mercado de cocaína e cannabis em termos de violações dos direitos humanos. Não haverá um vislumbre de paz até que haja regulamentação legal sob os princípios da justiça social.”
Sobre os autores
é jornalista freelancer e cientista político. É doutorado em Política pela Universidade Autónoma de Barcelona e escreveu para Ctxt, Público, Regards e The Independent.